segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Importância da prática de Futsal para a criança - parte 2

Artigo:
Título: Importância da prática de Futsal para a criança
Palavras - chave: Desporto / Educação / Educação Infantil / Brincar / Saúde / Desenvolvimento / Habilidades motoras / Psicomotricidade / Futsal / Futebol

Autor: Elsa Filipe, Educadora de Infância, licenciada pela ESE Setúbal;

A minha experiência:

Comecei a trabalhar como voluntária no CDR Fogueteiro em 2014/2015, ajudando nos treinos da equipa de Petizes e envolvendo-me dia após dia, treino após treino nas suas dinâmicas. As vitórias e as derrotas eram importantes, mas não eram a génese do treino. Desde logo o objetivo foi um: envolver as famílias dos atletas e valorizar o trabalho em prol da infância daquelas crianças e do seu desenvolvimento físico e emocional.
No contexto deste clube, algumas das crianças chegavam-nos inicialmente sozinhas ou com um irmão mais velho, ou com os amigos. Chegavam por iniciativa própria, porque queriam jogar à bola. E criámos logo ali uma barreira – que considerámos necessária – teria de haver alguém maior de idade que acompanhasse a criança e se responsabilizasse por ela na chegada e na saída do treino. Alguém responsável com quem pudéssemos falar.
No seguimento desta ação, alguns meninos nunca mais lá apareceram, pois sem ficha de inscrição não treinavam. Apesar de querermos uma equipa grande, era difícil irmos descansados para casa quando uma criança de 5 anos, terminado o treino, ia sozinho para o bairro. Com o tempo e arranjando mensageiros (outros pais, miúdos das equipas mais velhas) conseguimos que a mãe viesse assistir um treino. No fim do ano, essa mãe, ao falar na reunião que fizemos com os pais, agradeceu o nosso trabalho, dizendo que "Eu nem sabia que ele gostava ou que já jogava futebol" - e estamos a falar de um petiz de 5/6 anos.

Os que ficaram, formaram a equipa de Petizes que participou nesse ano no Indoor 4x4 organizado pelo clube. Ficando bem classificados, embora não vencendo o torneio no nosso escalão, mostrámos que mesmo num clube “de bairro”, as crianças eram valorizadas. Havia regras. E as crianças e os pais aceitaram essas regras.

Algumas das nossas “imposições”, além da presença do encarregado de educação ou de alguém que o representasse:

Começamos a registar as presenças nos treinos, questionando quando havia faltas – a criança pode faltar, mas tem de haver um motivo. Um dos motivos para a criança não ir era o mau aproveitamento escolar. Falar com os pais e ser um elo de ligação com a própria escola, fez-nos entender algumas dificuldades que iam além do domínio psicomotor, tais como concentração, relação com os outros, baixa auto-estima. Nos treinos tentamos adequar estratégias para trabalhar estas dificuldades, muitas vezes em sessões de treino individualizado ou em pequenos grupos.

Responsabilizamos os jogadores – dando-lhes a assinar a convocatória para o jogo. Além dos pais serem informados do jogo, hora e local da comparência, estas informações são antes transmitidas aos jogadores que após ouvirem quem joga, assinam (nem que seja com uma gatafunhada) a folha de convocatória. Preparamos cada equipamento a rigor, valorizando a que todos saiam para o campo vestidos de igual.

Trabalhamos o espírito crítico - falamos com eles no balneário antes e depois de cada jogo, destacando os aspetos positivos e negativos. Mesmo numa derrota, podem haver mais aspetos positivos do que negativos a destacar e tentamos que façam uma leitura individual do jogo, trabalhando com eles o seu sentido crítico. Mesmo os mais novos são chamados a dar a sua opinião. Aos poucos, vão construindo frases mais complexas e estruturadas, ajudando também no desenvolvimento da sua opinião e no desenvolvimento da linguagem. Aprendem a saber ouvir o outro e a não interromper, pois logo de seguida terão a sua oportunidade de falar também.

Valorizamos o espírito de equipa – apesar de em alguns torneios haver prémios individuais, valorizamos sempre o trabalho de equipa. Embora naturalmente as crianças queiram mostrar as suas habilidades, não incentivamos a que o façam, para não criar sentimento de desigualdade entre as outras crianças. Transmitimos que todos são importantes para a equipa, que devem trabalhar em conjunto para alcançarem o objetivo pretendido.

Valorizamos o respeito pelo outro – ensinando-os a respeitar as diferenças entre eles, como equipa, mas também a respeitar a outra equipa. Não o adversário. Porque os outros são crianças como eles e também a outra equipa está ali para se divertir. Empenhamo-nos neste aspeto de tal forma que nos surpreenderam ao festejar a vitória da outra equipa num dos jogos do torneio do ano passado, indo bater palmas aos pais dos outros meninos todos juntos.

Valorizamos o espírito de sacrifício – embora o termo possa parecer desadequado, o sacrifício para eles é entendido como “ceder” pela equipa e trabalhar para a equipa. Está este espírito de sacrifício patente quando colocamos um jogador na baliza, mesmo quando ele gosta é de marcar golos e de estar na frente. Ou quando tiramos um bom jogador do campo, para colocar outro que ainda não jogou.

Todos os jogadores convocados entram em campo – nem que isso signifique que vamos perder o jogo. Porque nem todas as crianças que jogam futsal, o fazem bem. O que elas fazem todas bem, é correr e divertir-se no campo. É claro que no final do jogo, alguns jogaram mais tempo que os outros, mas todos sem exceção entram em campo.

Baixamos a idade para a entrada na equipa – passando a aceitar crianças com 3 anos, que completem os 4 anos até ao final do ano em curso. Assim, e numa perspetiva de treino individualizado, começamos a fazer jogos e gincanas onde aos poucos vamos percebendo as capacidades motoras adquiridas e quais as que devem ser desenvolvidas. Reconhecemos a diferença de competências entre uma criança de 3 anos acabada de chegar à equipa e uma de 6 anos, mas é na observação do outro e na interação e na repetição que a criança vai aprendendo. Os exercícios são construídos de forma a serem evolutivos e a respeitar a própria evolução de cada criança. Podemos adequar desde a distância a percorrer, ao tamanho da bola, ou mesmo à complexidade do gesto técnico, de forma a haver progressão.

Trabalhamos a concentração – como elemento fundamental para estar em jogo. Se a criança não está interessada naquilo que está a fazer, se não está concentrada naquele exercício, temos de avaliar a necessidade de lhe propor outra tarefa, outro exercício ou mesmo de a tirar do campo. A concentração é necessária para a leitura do próprio jogo. A criança que está sempre a olhar para a bancada em busca dos pais, ainda não está pronta para estar muito tempo em campo – progressivamente vai ficando mais um minuto, até adquirir a capacidade de se concentrar no que se está a passar à sua volta. Normalmente, após a novidade dos primeiros jogos com assistência, a concentração começa a melhorar. Para isso, começamos a aumentar a frequência de jogos de treino com outras equipas do mesmo escalão, para trabalhar a concentração em campo, além de irem aqui também aprendendo em que sentido se deslocam no ataque e na defesa, as posições que ocupam no campo, entre outras coisas.

A minha avaliação da experiência destes últimos dois anos, é que quando trabalhamos com crianças temos de adaptar o treino constantemente às suas necessidades. Por vezes, a bola é um elemento fundamental do treino, mas noutras ocasiões, a bola é o elemento destabilizador e se queremos trabalhar competências básicas, temos de afastar a bola. Não importa apenas ensiná-los a chutar com força ou a marcar golos: existem muitas outras competências que vão ter de adquirir e que não dependem apenas do futsal – o equilíbrio, a lateralidade, a mudança de direção, entre outras habilidades motoras – mas que são essenciais para a sua prática.

Mas o que melhor avalia a nossa equipa é que as crianças vão ali para brincar, para estar com os amigos e para se divertirem. Eles gostam realmente de ali estar – queixam-se quando o treino termina ou quando não há treino. Têm saudades. E dão-nos abraços.

E os que já saíram do escalão de Petizes, voltam para nos ver, para matar saudades do treino. Quando questionado se queria jogar numa equipa de renome, um menino respondeu que não, porque ia ter de deixar de treinar connosco. E isso deixa-nos orgulhosos.

Elsa Filipe,

Equipa de Petizes

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