Artigo:
Título: Importância da prática de Futsal para a criança
Palavras - chave: Desporto / Educação / Educação Infantil / Brincar / Saúde / Desenvolvimento / Habilidades motoras / Psicomotricidade / Futsal / Futebol
A minha experiência:
Comecei a trabalhar como voluntária no CDR Fogueteiro em 2014/2015,
ajudando nos treinos da equipa de Petizes e envolvendo-me dia após dia, treino
após treino nas suas dinâmicas. As vitórias e as derrotas eram importantes, mas
não eram a génese do treino. Desde logo o objetivo foi um: envolver as famílias
dos atletas e valorizar o trabalho em prol da infância daquelas crianças e do
seu desenvolvimento físico e emocional.
No contexto deste clube, algumas das crianças chegavam-nos
inicialmente sozinhas ou com um irmão mais velho, ou com os amigos. Chegavam
por iniciativa própria, porque queriam jogar à bola. E criámos logo ali uma
barreira – que considerámos necessária – teria de haver alguém maior de idade
que acompanhasse a criança e se responsabilizasse por ela na chegada e na saída
do treino. Alguém responsável com quem pudéssemos falar.
No seguimento desta ação, alguns meninos nunca mais lá apareceram,
pois sem ficha de inscrição não treinavam. Apesar de querermos uma equipa grande, era difícil irmos descansados para casa quando uma criança de 5 anos, terminado o treino, ia sozinho para o bairro. Com o tempo e arranjando mensageiros (outros pais, miúdos das equipas mais velhas) conseguimos que a mãe viesse assistir um treino. No fim do ano, essa mãe, ao falar na reunião que fizemos com os pais, agradeceu o nosso trabalho, dizendo que "Eu nem sabia que ele gostava ou que já jogava futebol" - e estamos a falar de um petiz de 5/6 anos.
Os que ficaram, formaram a equipa de Petizes que participou nesse
ano no Indoor 4x4 organizado pelo clube. Ficando bem classificados, embora não
vencendo o torneio no nosso escalão, mostrámos que mesmo num clube “de bairro”,
as crianças eram valorizadas. Havia regras. E as crianças e os pais aceitaram
essas regras.
Algumas das nossas “imposições”, além da presença do encarregado
de educação ou de alguém que o representasse:
Começamos
a registar as presenças nos treinos, questionando quando havia faltas –
a criança pode faltar, mas tem de haver um motivo. Um dos motivos para a
criança não ir era o mau aproveitamento escolar. Falar com os pais e ser um elo
de ligação com a própria escola, fez-nos entender algumas dificuldades que iam
além do domínio psicomotor, tais como concentração, relação com os outros,
baixa auto-estima. Nos treinos tentamos adequar estratégias para trabalhar
estas dificuldades, muitas vezes em sessões de treino individualizado ou em
pequenos grupos.
Responsabilizamos
os jogadores – dando-lhes a assinar a convocatória para o jogo. Além dos pais
serem informados do jogo, hora e local da comparência, estas informações são
antes transmitidas aos jogadores que após ouvirem quem joga, assinam (nem que
seja com uma gatafunhada) a folha de convocatória. Preparamos cada equipamento
a rigor, valorizando a que todos saiam para o campo vestidos de igual.
Trabalhamos
o espírito crítico - falamos com eles no balneário antes e depois de cada jogo,
destacando os aspetos positivos e negativos. Mesmo numa derrota, podem haver
mais aspetos positivos do que negativos a destacar e tentamos que façam uma
leitura individual do jogo, trabalhando com eles o seu sentido crítico. Mesmo
os mais novos são chamados a dar a sua opinião. Aos poucos, vão construindo frases
mais complexas e estruturadas, ajudando também no desenvolvimento da sua
opinião e no desenvolvimento da linguagem. Aprendem a saber ouvir o outro e a
não interromper, pois logo de seguida terão a sua oportunidade de falar também.
Valorizamos
o espírito de equipa – apesar de em alguns torneios haver prémios individuais,
valorizamos sempre o trabalho de equipa. Embora naturalmente as crianças
queiram mostrar as suas habilidades, não incentivamos a que o façam, para não
criar sentimento de desigualdade entre as outras crianças. Transmitimos que
todos são importantes para a equipa, que devem trabalhar em conjunto para
alcançarem o objetivo pretendido.
Valorizamos
o respeito pelo outro – ensinando-os a respeitar as diferenças entre eles, como equipa,
mas também a respeitar a outra equipa. Não o adversário. Porque os outros são
crianças como eles e também a outra equipa está ali para se divertir.
Empenhamo-nos neste aspeto de tal forma que nos surpreenderam ao festejar a
vitória da outra equipa num dos jogos do torneio do ano passado, indo bater
palmas aos pais dos outros meninos todos juntos.
Valorizamos
o espírito de sacrifício – embora o termo possa parecer desadequado, o
sacrifício para eles é entendido como “ceder” pela equipa e trabalhar para a
equipa. Está este espírito de sacrifício patente quando colocamos um jogador na
baliza, mesmo quando ele gosta é de marcar golos e de estar na frente. Ou
quando tiramos um bom jogador do campo, para colocar outro que ainda não jogou.
Todos
os jogadores convocados entram em campo – nem que isso signifique que
vamos perder o jogo. Porque nem todas as crianças que jogam futsal, o fazem
bem. O que elas fazem todas bem, é correr e divertir-se no campo. É claro que
no final do jogo, alguns jogaram mais tempo que os outros, mas todos sem
exceção entram em campo.
Baixamos
a idade para a entrada na equipa – passando a aceitar crianças
com 3 anos, que completem os 4 anos até ao final do ano em curso. Assim, e numa
perspetiva de treino individualizado, começamos a fazer jogos e gincanas onde
aos poucos vamos percebendo as capacidades motoras adquiridas e quais as que devem
ser desenvolvidas. Reconhecemos a diferença de competências entre uma criança
de 3 anos acabada de chegar à equipa e uma de 6 anos, mas é na observação do
outro e na interação e na repetição que a criança vai aprendendo. Os exercícios
são construídos de forma a serem evolutivos e a respeitar a própria evolução de
cada criança. Podemos adequar desde a distância a percorrer, ao tamanho da
bola, ou mesmo à complexidade do gesto técnico, de forma a haver progressão.
Trabalhamos
a concentração – como elemento fundamental para estar em jogo. Se a criança não
está interessada naquilo que está a fazer, se não está concentrada naquele
exercício, temos de avaliar a necessidade de lhe propor outra tarefa, outro
exercício ou mesmo de a tirar do campo. A concentração é necessária para a
leitura do próprio jogo. A criança que está sempre a olhar para a bancada em
busca dos pais, ainda não está pronta para estar muito tempo em campo –
progressivamente vai ficando mais um minuto, até adquirir a capacidade de se
concentrar no que se está a passar à sua volta. Normalmente, após a novidade
dos primeiros jogos com assistência, a concentração começa a melhorar. Para
isso, começamos a aumentar a frequência de jogos de treino com outras equipas
do mesmo escalão, para trabalhar a concentração em campo, além de irem aqui
também aprendendo em que sentido se deslocam no ataque e na defesa, as posições
que ocupam no campo, entre outras coisas.
A minha avaliação da experiência destes últimos dois anos, é que
quando trabalhamos com crianças temos de adaptar o treino constantemente às
suas necessidades. Por vezes, a bola é um elemento fundamental do treino, mas
noutras ocasiões, a bola é o elemento destabilizador e se queremos trabalhar
competências básicas, temos de afastar a bola. Não importa apenas ensiná-los a
chutar com força ou a marcar golos: existem muitas outras competências que vão
ter de adquirir e que não dependem apenas do futsal – o equilíbrio, a
lateralidade, a mudança de direção, entre outras habilidades motoras – mas que são essenciais para a sua prática.
Mas o que melhor avalia a nossa equipa é que as crianças vão ali
para brincar, para estar com os amigos e para se divertirem. Eles gostam
realmente de ali estar – queixam-se quando o treino termina ou quando não há
treino. Têm saudades. E dão-nos abraços.
E os que já saíram do escalão de Petizes, voltam para nos ver,
para matar saudades do treino. Quando questionado se queria jogar numa equipa
de renome, um menino respondeu que não, porque ia ter de deixar de treinar connosco.
E isso deixa-nos orgulhosos.
Elsa Filipe,
Equipa de Petizes
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